Dá para beber?
613 de outubro de 2014 por Felipe Tavares
Eu trabalhava num restaurante bem bacana. Os clientes eram ricos, viajados, esnobes e, frequentemente o chef era chamado à mesa para escutar os comentários: “Ah, comi este prato na minha última viagem à Europa”; “O risoto daqui é melhor do que eu comi na Itália”; “Comi uma sobremesa em Paris, você pode fazê-la para mim?”.
Um belo dia, um grupo de clientes fez uma reserva especial: eles tinham comprado – por algumas centenas de euros – um vinho que tinha a idade para ser meu avô ou quem sabe meu bisavô.
O garçom ficou apreensivo ao abrir a garrafa que tinha o rótulo desbotado, um pouco de poeira e uma rolha numa consistência estranha…
Todos brindaram e vibraram ao tomar um gole daquela raridade! Era um exemplar digno da monarquia.
No momento de empolgação, um dos clientes chama o proprietário da casa e avisa: “Prove este vinho! É uma preciosidade que vale $$$$, o melhor vinho que você vai tomar na vida!”.
O proprietário era um dos maiores conhecedores de vinho que eu e mais uma dezena de profissionais já tínhamos conhecido, mas os clientes não sabiam disto.
Ele pegou uma taça, serviu-se do vinho, rodou a taça, cheirou, tomou um gole, mais um, cheirou de novo e avisou: “Esse vinho “apodreceu”! Está avinagrado por não ter sido acondicionado corretamente! Não dá para beber!”
Os clientes, desapontados, concordaram com o parecer e jogaram tudo fora.
HAHAHA
Não inventei essa história! É verídica e virou um caso que eu e o garçom citado, lembramos às gargalhadas todas às vezes que encontramos.
Lembrei dela porque li estas dicas bacanas da Sonoma para identificar quando um vinho está “ruim”.
1) Por onde começar: a safra!
A primeira coisa, é dar uma olhada na safra. Se o vinho já tiver perto de 10 anos ou mais, a probabilidade de ele já estar passado do ponto é grande. Aquela máxima de “quanto mais velho o vinho, melhor”, na verdade, vale para pouquíssimos vinhos.
A maioria, sejam eles tintos, brancos ou espumantes, é feita para ser bebido enquanto jovem. Caso ainda tenha dúvida se o que tem nas mãos seja um dos bons vinhos de guarda, então recomendo uma pesquisa sobre o produtor ou sobre a vinícola para ter certeza.
Se a safra não estiver declarada no rótulo, então com certeza de guarda ele não é. Nesse caso, outros sinais poderão dizer se ele pode estar bom ou não.
– Preferir: vinhos jovens e que tragam a safra no rótulo (tintos: 10 anos; brancos: 3 anos).
– Exceções: vinhos de guarda (Porto, Barolo, Brunello, Bordeaux e Borgonha).
2) O segundo passo: as condições do rótulo
Dê uma olhada geral nas condições da garrafa. Se o rótulo estiver meio amarelado, com cara de que foi exposto ao sol ou a luminosidade intensa, então evite este vinho. O contato do vinho com a luz pode levar à oxidação, mudando seus aromas e seu sabor. É por isso que se recomenda armazenar os vinhos ao abrigo da luz.
– Preferir: rótulos intactos e não deem indícios de exposição à luz.
– Exceções: não há.
3) Mais importante ainda do que o rótulo: a cápsula e a rolha
Observe também a cápsula e a rolha, caso esteja visível. Veja se há vinho que extravasou. Isso pode ter ocorrido em função do ressecamento e contração da rolha, pelo fato de o vinho ter sido armazenando sob temperaturas mais altas, baixa umidade ou até mesmo em posição vertical. Quando isso acontece, a contração pelo ressecamento da rolha permite que o vinho extravase. Além disso, com o ressecamento, a rolha se torna mais porosa, permitindo a entrada do ar e a oxidação do vinho.
Se depois de verificar todas estas condições, tudo estiver em ordem, então o próximo passo é abrir o vinho.
– Preferir: garrafas que não apresentem sinais de danos causados por más condições de armazenamento.
– Exceções: não há.
4) Quase lá: cheirando a rolha
Cheirar a rolha não é frescura. Ela já nos indica algum defeito que pode ter afetado o vinho, como o “bouchonée” (cheiro de mofo, pano ou papel molhado), avinagrado ou oxidado.
– Preferir: vinhos cuja rolha não apresenta aroma de papelão molhado ou indica outros defeitos no vinho.
– Exceções: não há.
5) Depois de servir: a cor
O vinho na taça é a reta final para se ter o veredito, saber se está bom ou não para beber. A cor atijolada, às vezes já tendendo ao âmbar, nem sempre é sinal de que o vinho já morreu. Para as escolas mais tradicionais da vinicultura, a turbidez também é um sinal visual de que o vinho não está bom para beber.
– Preferir: vinhos límpidos e que não tenham atingido a cor âmbar.
– Exceções: vinhos de sobremesa, como o Porto Tawny e o Moscatel de Setúbal, e os vinhos naturais (podem conter resíduos).
6) A hora “H”: a degustação
Se estiver combinada com aromas desagradáveis, que se confirmam no paladar, como o de vinagre, de oxidação, ou mesmo se já não mostrar mais qualquer aroma, então realmente o vinho está estragado ou, como se diz, está passado.
– Preferir: vinhos que estejam com aromas limpos e agradáveis.
– Exceções: não há.
Abraços rachando de rir dos clientes,
Felipe Tavares
Lá em casa só guardamos uma garrafa de vinho.. Um do Porto, vintage de 2008… Esse foi feito pra maturar na garrafa, é meu único e pequeno tesouro! Será aberto lá pra 2025…
Bacana! Esse vinho é de guarda mesmo e, armazenando corretamente, ele vai ficar top demais em 2025!
Mas gente, que história foi essa?! HAHAHA Morri de rir aqui, imagina vc aí.
Gostei dessas dicas aí, hein. Sou uma – lerda- leiga em vinho, mas agora já verei com outros olhos!
HAHAHAH foi hilário esse dia!
Essas dicas são bem boas, muitas pessoas armazenam qualquer tipo de vinho achando que ele vai melhorar com o tempo, mas nem sempre é assim…
Neste episódio lembro da cara de alívio destes “amantes do vinho” quando ouviram o Paulo condenar o líquido; se ele não fosse sincero provavelmente os caras teriam bebido tudo, fazendo força pra manter o sorriso blasé…
HAHAHA
É o preço que se paga para manter as aparências…