Nostalgia
817 de julho de 2017 por Felipe Tavares
O restaurante que trabalhávamos era pequeno. Localizado em uma região nobre de Belo Horizonte, tínhamos 20 mesas, atendíamos na grande maioria casais apaixonados amantes e italianos que estavam pela cidade. Servíamos pratos tradicionais italianos e nunca, graças a Deus, tivemos que servir lasanhas, canelones & pizzas.
Na cozinha, quatro pessoas para fazer de tudo e, no salão, o garçom e o proprietário dividiam as tarefas. Tudo girava em torno da amizade e liberdade que tínhamos uns com os outros e o clima era sempre descontraído.
Talvez esta harmonia tenha começado a refletir na comida e no atendimento porque com o passar dos meses, o restaurante que atendia cinco mesas por noite, passou a lotar em plena quarta-feira, a ter fila de espera aos finais de semana e o toque do telefone de reservas se tornou algo incrivelmente aterrorizante. Não tínhamos estrutura para aquilo.
Tudo isso sem matérias pagas, sem investimento em marketing e sem pagar blogueiros fitness foodies. Tudo orgânico. Boca-a-boca. Era o sucesso chegando e o início do fim.
Se antes utilizávamos um peça de filé mignon por semana, agora chegavam dez; se era uma 1/4 de atum fresco por mês, agora era 1/2 por semana; vieiras, lagostins, ossobucos e caixas de risoto chegavam aos montes. O ritmo era alucinante e todos vibravam em fazer parte de algo tão especial e o melhor, rodeados de amigos.
A equipe continuava a mesma: os mesmos quatro na cozinha, os mesmos dois no salão, eventualmente tínhamos alguns freelas. Mas aumentar a equipe para o dia-a-dia, pois trabalhávamos como loucos “era fora de cogitação” dizia o dono com seu sotaque italiano.
Numa noite de sexta-feira quando servíamos a segunda (ou seria a terceira?) rodada de mesas completas, por volta das 23h30, eis que entra no restaurante o chef mais premiado e respeitado de Minas Gerais. O criador dessa bagaça toda, o querido pela massa, o ídolo de todas as gerações. Imagina Deus aparecendo na sua frente? Era ele acompanhado de sua esposa.
Burburinhos no salão, um deputado que estava jantando levanta para cumprimentá-lo. A cozinha treme toda e bebe algumas doses do vinho do risoto para acalmar os ânimos. O garçom não sabe o que fazer, a casa está lotada com fila de espera.
– Um momento, Deus, vou arrumar uma mesa para você.
– Ok, vou aguardar aqui dentro do restaurante.
A vontade era de expulsar um cliente que estava ali passando calda de chocolate nos lábios da namorada para arrumar uma mesa logo para ele, mas claro que a vida não era assim tão fácil.
Alguns longos e eternos minutos depois, o chef senta à mesa, olha o cardápio e sendo quem ele é, pede um prato que não existe no cardápio. Era um teste? Espionagem? Cliente oculto? Nunca saberemos.
Em meio à dezenas de comandas pregadas na boqueta, a cozinha não sabe se passa à frente o pedido inusitado do chef ou continua no ritmo normal. Num cálculo rápido, eu e o cozinheiro falamos: se seguir normal, o pedido dele vai demorar quase 1h. “Que se foda, vamos ser V1D4 L0K4 e passar o pedido dele na frente dos demais.”
O chef-deus belisca a comida, a esposa come tudo, trocam comentários entre eles impossíveis de ouvir de onde estávamos. Fecham a conta e vão embora não sem antes tirar uma série de fotos com os clientes.
Era o ápice da curta vida do restaurante. Recordes de faturamento eram quebrados semanalmente, o garçom faturava quase R$1 mil POR NOITE (!) de 10%. Não podia melhorar, mas piorar podia, sempre pode.
Reivindicávamos aumento de salários, repasse da comissão para a cozinha, mais funcionários. “No, non posso”.
E o inevitável aconteceu.
Com a falta de estrutura e de pessoal somados ao volume absurdo de clientes, pratos que saíam da cozinha em 10 minutos, demoravam 40 minutos, 1 hora. Se antes o garçom dava um atendimento exclusivo aos clientes, agora ele tinha que correr como um funcionário de praça de alimentação de shopping. As bebidas acabavam durante o serviço, clientes reclamavam da demora, a cozinha errava pedidos.
Aos poucos a casa foi esvaziando, críticas negativas surgiam na internet, as quartas-feiras não enchiam mais, muito menos as sextas-feiras. Ficávamos lendo livros e jornais durante o expediente, era o fim batendo à porta. O paciente estava em coma permanente na CTI.
O primeiro a sair foi o garçom. Depois o cozinheiro e depois eu, sub-chef na época.
A casa tentou ressuscitar algumas vezes, mas 6 meses depois fechou as portas. Talvez não tenha deixado marcas no mercado gastronômico de BH, mas ainda é para mim e tenho certeza que para o garçom e o cozinheiro, um dos melhores lugares que trabalhamos.
Abraços nostálgicos,
Felipe Tavares
Fiquei curiosa. Qual era esse restaurante?
Ei Adriana,
Por motivos de segurança (haha) preferi não colocar o nome do restaurante. Mas se você ler textos antigos do blog, irá descobrir!
Obrigado pela visita!
Que bom ler um texto seu. E tão nostálgico. Lembro bem dessa época.
Obrigado, Ju!Compartilhei tudo com vc na época!
O foda é sempre o mesmo pro salão tudo pra cozinha nada!
Né? Looping eterno!
Que bacana Lipe! Lembro do restaurante, fomos lá uma vez!!!
Esse mesmo!